Medicina não é uma ciência
exata.E pesquisas médicas não dão respostas para tudo.
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O exercício da medicina hoje
se faz baseado em evidências. O saber médico é medido em graus. Grau A, nível 1
de evidência, o topo da pirâmide, é conhecimento que passou pelo crivo de
ensaios bem desenhados, sem muitos vieses. Na falta de evidência inequívoca,
clinicamos baseados na melhor evidência disponível.
Para todo medicamento
prescrito ou procedimento proposto, seguimos a mesma linha de raciocínio: há
evidências que justifiquem o risco do ato médico?
Sim, porque também é verdade
inconteste que cada ato médico envolve risco para o paciente.
Quando o capitão que hoje
ocupa a Presidência insiste em querer prescrever cloroquina por decreto,
certamente não o faz baseado em evidência médica. Defende a ideia de que tanto
quanto salvar vidas é imperativo salvar a combalida economia.
Há uma crença generalizada que
a medicina conhece pouco sobre o corona vírus.
Não é verdade. Sabem-se muitas coisas. Dentre elas, que não há
tratamento universalmente eficaz e isento de riscos. E não temos vacina, por
enquanto.
Sabe-se também que o
isolamento social, remédio amargo e pouco natural, é comprovadamente eficaz
para reduzir a mortalidade e preservar os sistemas de saúde. Apesar de provocar
danos enormes à economia, a pandemia, sem essa medida, é ainda mais
danosa.
E não precisamos ir longe para
aprender essa lição. Basta comparar os efeitos da pandemia em estados brasileiros
que seguiram as recomendações de isolamento social, sem interferir em
protocolos de tratamento da infecção por corona vírus, àqueles que foram em
outra direção. Minas Gerais e Rio Grande do Sul são dois bons exemplos.
Talvez o capitão/presidente
pense que o uso da cloroquina torna desnecessário o isolamento social. Em seu
agito no intuito de salvar vidas e a economia, corre o risco de não salvar nem
umas, nem outra. Assim, inaugura uma alternativa à medicina baseada em
evidência: a medicina baseada na inconsequência.
Há muitos médicos que endossam
o ato do presidente. Estão convictos de que, diante da pandemia, a falta de
evidência não deve ser entrave para o uso da cloroquina. Guimarães Rosa já nos
lembrava que “querer o bem, de incerto jeito, com demais força, pode já estar
sendo se querendo o mal por principiar”.
Dada em larga escala, a
cloroquina pode provocar o efeito contrário ao esperado. Ao somarem-se os conhecidos
possíveis efeitos colaterais da droga à infecção por corona vírus, que na maioria dos
casos é branda, pode-se aumentar a mortalidade.
Todo esse agito em torno da cloroquina
já derrubou dois ministros, que optaram por praticar a melhor evidência médica
no assunto.
Agindo assim, o governo não
foca no combate à pandemia e desorganiza reiteradamente o ministério da saúde,
que deveria ser o protagonista deste drama. O desgoverno quer roubar a cena.
Ao colocar-se fora do comando
da situação, cria espaço político para outros governadores e prefeitos, que
preferem seguir as recomendações da ciência médica, representada pela
Organização Mundial de Saúde.
As crises políticas, quase
diárias, somadas aos efeitos da pandemia, de nada servem aos brasileiros.
Ao tentar interferir por
decreto no exercício da medicina, o capitão presidente talvez queira dar a
impressão de estar fazendo alguma coisa contra a doença. Em seu agito, pode
estar fazendo contra o doente.
Posted by
Jair Raso
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