Becky, minha adorável
vira-lata, morreu ontem. Andrea, bem mais moderna que eu, dizia que ela era
caramelo. Estava conosco há cerca de 17 anos. Quando chegou, trouxe vigor e
alegria contagiantes. Escolheu nossa casa e tomou posse de nossos corações.
Nos últimos meses já estava
bem frágil. Cega, devido a catarata, surda e com o faro menos apurado, devido
ao natural envelhecimento.
Tinha uma paraparesia leve,
devido a artrose, que não a impedia de descer e subir escadas para chegar a
seus lugares preferidos na casa e no quintal.
O trio de cães lá de casa era
composto de dois labradores, Bertrand e Hanna, capitaneados pela chefe da
matilha, Becky.
Bertrand morreu precocemente,
aos 5 anos, devido a uma insuficiência renal fulminante, pra lá de esquisita.
Hanna tinha dez anos quando
foi diagnosticada com um sarcoma avançado, sem possibilidade terapêutica. Sua
eutanásia foi há apenas um mês.
Foi de cortar o coração a cena
que passamos a presenciar quando chegávamos em casa: Becky, sentada na cama de Hanna,
uivava um pranto de tristeza e saudade. Colocávamos no colo, abraçávamos e ela
se acalmava.
Nesse último mês Becky
envelheceu anos. Houve dias em que pensamos que ela não acordaria de um sono
profundo e prolongado. Mas ela simplesmente dava o ar da graça e movia livremente com suas mazelas senis. Era um recado para Andrea e eu: preparem-se, estou
partindo.
E foi assim. Pena não estarmos
junto dela no derradeiro momento.
Quando comentei sobre a
terminalidade de Becky com o professor Hercules Pereira Neves, da Faculdade de
Ciências Médicas de Minas Gerais, ele me consolou dizendo que os cachorros
vivem pouco porque já chegam no mundo preparados para amar. Nós precisamos de
mais tempo para aprender.
Ele tem razão. O amor de Becky
conosco era incondicional. E somos muito gratos a ela pelas lições de amor.
Externo nossa gratidão também
pela lição que nos deu, ao nos preparar para sua morte. Limitada e frágil, nos
últimos dias Becky já não demonstrava vigor nem alegria, suas principais
características. Era o tempo de morrer.
Era o direito dela.
Becky nos deixa um pouco da paz que demonstrava em seu
rosto, já inerte. Vive agora nos giros de nossas boas memórias.