Quando eu era
residente de neurocirurgia, uma série de estudos mudou os paradigmas de
diagnóstico e tratamento do traumatismo
crânio-encefálico.
Grande parte desses
estudos foi feita em animais, mas os mais impressionantes foram aqueles
realizados por meio da observação de video-tapes dos nocautes nas lutas de boxe.
O movimento da cabeça em cada golpe determina a gravidade da lesão no cérebro.
Para que o boxeador vá a nocaute, ou seja, para que entre em coma, é necessário
que o golpe sofrido faça um mecanismo de torção em seu pescoço, o que fará com que
seus neurônios percam momentaneamente grande parte de suas conexões com o
corpo.
Estes estudos
esclareceram os conceitos de lesão axonal difusa, amnésia lacunar e do coma de
origem traumática.
Quando um
lutador é nocauteado, ele sofre uma lesão axonal difusa, que pode ser
fisiológica ou anatômica. Estas últimas podem deixar danos irreversíveis.
A amnésia
lacunar é a perda da capacidade de se lembrar de eventos que sucederam o traumatismo.
Houve casos de lutadores que não se lembravam de um ou dois rounds numa sequência de luta em que
caíram, mas conseguiram se recuperar. Um lutador sequer se lembrava se havia
ganhado ou perdido determinada luta.
Em longo prazo,
traumas repetidos no encéfalo podem provocar demência ou outros tipos de
doença, como a Doença de Parkinson. Muhammad Ali, uma legenda deste esporte, é
um dos exemplos.
O UFC,
verdadeiro vale-tudo, é uma versão mais popular do boxe. Mas os mecanismos de
agressão ao cérebro são os mesmos. Recentemente, um jogador morreu após ser
nocauteado. Sequelas definitivas em seus praticantes também não são incomuns.
Apesar disso, as lutas são anunciadas com estardalhaço e assistidas por milhões
de pessoas, garantindo os investimentos milionários neste tipo de esporte.
Neste aspecto,
os animais estão mais bem protegidos.
A Declaração
Universal dos Direitos dos Animais, proclamada em 1978 pela UNESCO, abomina
toda forma de maus tratos de animais para divertimento dos homens.
No Brasil, um
exemplo é a rinha de galo. Desde o Governo de Jânio Quadros, as rinhas foram
proibidas e até hoje são caso de
polícia.
Os trabalhos
sobre traumatismo crânio-encefálico tendo animais como modelos praticamente
desapareceram.
Está passando da
hora da Declaração Universal dos Direitos Humanos fazer algo semelhante a estes
estúpidos esportes, como o Boxe e o UFC.
Boxe ou UFC são
versões de verdadeiras roletas russas.
Sugiro que vejam
o filme 13 Tzameti, do diretor Gela
Babluani, ou seu remake, Roleta Russa 13.
Neste filme de suspense, apostadores arriscam grandes somas num jogo de roleta
russa. A cada rodada, as apostas vão aumentando, e só há um vencedor: aquele que
apostou no único sobrevivente.
Qual a é diferença
entre estes e as rinhas de galo? Talvez o montante do valor apostado. Ou o
falso glamour das redes de TV em torno dos lutadores.
Boxe e UFC
deveriam servir de inspiração para roteiros de filmes de ficção, mas
definitivamente não deveriam fazer parte do que consideramos esporte. Afinal, esporte
geralmente é atividade relacionada à saúde e não à doença.
Não há nada de
saúde quando dois marmanjos se atracam, trocam pontapés e socos até que o
cérebro de um deles seja gravemente lesado para o que outro seja considerado
vencedor. Ao fim e ao cabo, todos praticantes saem perdendo.
Revisão
e formatação: Ophicina de Arte e Prosa
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Crônica médica