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corpo dos médicos se crítica mais do que se protege e devido a isto é
indispensável para proteger o povo contra suas próprias ilusões e os charlatães
mistificadores. “
CABANIS, Du degré de certitude de la medecine.
Infelizmente, os noticiários
só dão conta das manobras políticas e maracutaias que o nosso presidente
interino, Michel Temer, emprega para se manter no poder.
O maior desastre de seu
governo, entretanto, passa desapercebido pela grande imprensa: sua atuação na
área de saúde. Uma das facetas dessa administração perversa é a abertura
desenfreada de escolas médicas, sob o pretexto de melhorar a qualidade da
medicina pública, aumentando a quantidade de médicos no mercado.
Enquanto o Brasil observava
com indiferença o resultado da votação na Câmara dos Deputados, o governo
brasileiro acionava, mais uma vez, a caneta que mata: decretou a abertura de
mais onze cursos de medicina no sul e sudeste do Brasil. As cidades
contempladas foram: Angra dos Reis, no Rio de Janeiro; Araras, Guarulhos, Mauá,
Osasco, Rio Claro e São Bernardo, em São Paulo; Campo Mourão e Pato Branco, no
Paraná e Novo Hamburgo e São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.
O presidente afirmou que
estava "destravando pendências" de 2014. Talvez quisesse dizer que o
projeto “mais médicos” não é obra de seu governo, mas, ao dar continuidade a essa
insensatez, ele também entrará para a história como um dos grandes responsáveis
pelo agravamento da já precária saúde pública brasileira.
A abertura de escolas médicas,
a grande maioria privadas, sob o pretexto de resolver o problema de saúde
pública é uma falácia. Isso já aconteceu em outros países com resultados
desastrosos.
Em 1791, por exemplo, o governo que comandou a
revolução francesa decretou o fechamento das Universidades e liberou os
cidadãos para a prática e ensino da medicina. Nada de exames, nada de títulos
que comprovassem competência. Bastava ao interessado obter de seu município um
certificado de civismo e de probidade. Com a profusão de médicos com formação
sem controle das entidades médicas, o desastre não demorou a acontecer. Michel
Foucault descreve, em seu livro O
Nascimento da Clínica, as consequências desta política equivocada:
O público é vítima de uma multidão de
indivíduos pouco instruídos que, por sua autoridade, se erigem em mestres da
arte, distribuem remédios ao acaso e comprometem a existência de vários
milhares de cidadãos (...) Por toda parte, pedem-se instâncias de controle e
uma nova legislação. (...) Quantos ignorantes assassinos não inundariam a França,
se autorizassem os médicos, cirurgiões e farmacêuticos de segunda e terceira classes
a praticar suas profissões respectivas sem um novo exame (,,.) e sobretudo nesta sociedade homicida
onde se encontram os charlatães mais
acreditados, mais perigosos.
A funesta experiência da
revolução francesa na área da saúde terminou com a volta das Universidades ao
controle das entidades médicas.
O Brasil, na contramão dos
pareceres do Conselho Federal de Medicina (CFM), é hoje o país com mais
faculdades de medicina no mundo. Além destes onze cursos abertos, agora já são
mais de 257 cursos, sendo que apenas 170 deles são reconhecidos pelo CFM. Até o
final de 2018, o número de novos estudantes deve pular para 27 mil ao ano, de
acordo com a Lei do Mais Médicos. Isso, na prática, é o mesmo que liberar o
ensino sem lastro de qualidade, como aconteceu na revolução francesa.
O lado sombrio desses atos do
governo é que os governantes nada sofrem com as medidas. Aos 76 anos de idade,
com aparente boa saúde, Michel Temer deve viver para ver as consequências dos
atos rabiscados com sua caneta assassina: milhares de médicos, com formação
precária pelas faculdades que ele autorizou, estarão brigando por um local de
trabalho e pela própria sobrevivência, sem se preocuparem com a qualidade da
medicina oferecida.
Ao contrário dos brasileiros
carentes, Michel Temer não precisará desses médicos. Afinal, certamente terá
malas de dinheiro para pagar àqueles profissionais formados em escolas decentes
e com qualificação adequada.
Revisão e formatação:
Ophicina de Arte & Prosa
Categories:
Crônica médica