Há muitos anos recebi de uma
cliente um e-mail com o seguinte título “proposta indecorosa”. Ela, editora
profissional, tecia comentários sobre as crônicas que eu publicava mensalmente
em meu blog e oferecia uma parceria: faria a revisão das crônicas e eu divulgaria
sua empresa, a Ophicina Arte & Prosa. A proposta nada tinha de
indecorosa. Era, na verdade, um grande presente para mim.
Assim começamos uma bela parceria
que resultou em centenas de crônicas e três livros meus editados por Rachel
Kopit e sua Ophicina: A caneta que mata; Saúde, Vida Longa e Morte Súbita e O dia em que a música acabou. Também participou da construção do último
livro Trilogia de Uma Pandemia, uma
coletânea de textos sobre a Covid-19, de autores diversos, organizado por mim e
Andrea, minha mulher, e lançado este mês.
Para nossa tristeza, Rachel
sofreu um acidente em sua casa e morreu por complicações de um traumatismo
craniano.
Rachel Kopit amava sua
profissão e era orgulhosa com seus produtos editoriais. Mantinha a mente e o
coração abertos para seu trabalho conosco, aprendizes de escritores.
Mais que sua revisão, sempre
rigorosa, eu ficava ávido por ouvir ou ler seus comentários sobre minhas
crônicas e, claro, sobre os livros que publicamos.
Sua morte me deixa um vazio
enorme. De repente, ficou difícil escrever.
Minha tristeza é maior por ter
perdido a amiga, mas quero me debruçar sobre a tristeza de perder a editora. Afinal,
nossa história começou com a ameaça à essa profissão que ela tanta amava.
Em 2002, eu a operei de um
tumor localizado numa região do crânio que colocava em risco, dentre outros, a
motilidade ocular, essencial para seu ofício. Felizmente o procedimento foi bem-sucedido
e ela pode dar continuidade à sua brilhante carreira como revisora, editora e
tradutora. Com sua autorização, mostrei em diversas aulas seus belos olhos
azuis quando queria ensinar um grande preceito ético de nossa profissão médica:
primum non nocere.
Karl Ove Knausgard, escritor
norueguês, disse que sem seu editor, ele não seria escritor. O artigo dele (Até lá onde a narrativa não chega, Revista Piauí, fevereiro 2021),
que li há pouco mais de um mês, lançou luz sobre minha relação, enquanto
escritor, com Rachel.
Sempre a considerei generosa,
porque assim ela sempre foi. Mas bem
mais que isso, o que Rachel me transmitia era confiança. Um dia, ela confiou em
mim, como seu médico. Depois disso, ela fez consolidar em mim a confiança para
escrever. Seus comentários, críticas e sugestões passaram a fazer parte natural
da minha maneira de escrever.
Desde sua morte, no último dia
25, minha narrativa ficou manca. Difícil não era escrever sobre ela, mas escrever
sem a presença dela em minha escrita.
Finalmente hoje, 30 de maio,
criei coragem e me debrucei sobre a importância de Rachel na minha vida de
escritor. Para saber o ano de seu nascimento, consultei o prontuário eletrônico
de meu consultório e, para minha surpresa, descobri que, justamente hoje, ela
estaria completando 69 anos.
Em dias de aniversário a gente
pensa em presentes. Penso que Rachel
Kopit foi um presente em minha vida, que guardarei para sempre com muita gratidão.