Atuação

• Coordenador do Serviço de Neurocirurgia e Neurologia do Hospital Unimed BH • Neurocirurgião do Biocor Instituto, Belo Horizonte, MG Membro Titular da Academia Mineira de Medicina • Membro Titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia • Membro do Congresso of Neurological Surgeons • Mestrado e Doutorado em Cirurgia pela UFMG

Especialidades

• Malformação • Artério Venosa • Aneurisma Cerebral • Cirurgia de Bypass • Revascularização Cerebral • Cirurgia de Carótida • Tumores Cerebrais • Descompressão Neurovascular • Doença de Moya-Moya Tumores da Base do Crânio Doppler Transcraniano

Contato

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Sem Fé ou Confiança

 


...todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma... Muita religião, seu Moço!

Guimarães Rosa

 

Entre tantos descalabros nesta pandemia um dos que mais me impressiona é a realização de festas clandestinas, organizadas e frequentadas por jovens. Sem máscaras, aglomerados, saboreiam seus drinks enquanto o jogo de luz se encarrega de cegá-los para os números crescentes de vítimas da Covid.  O som alto os ensurdece aos apelos da maior parte da sociedade que segue as recomendações das autoridades na esperança de não se contaminar.

O que celebram não sei, mas fica claro que perderam a confiança nos discursos das autoridades médicas, contaminados por interferências políticas.

Vivemos o tempo do achismo e, ao contrário do que disse Le Breton, a palavra do especialista já não é mais evangelho para o leigo, que a desdenha com festas.

O baile sem máscaras parece uma dança de insanos em torno da fogueira da morte.

A epígrafe de Guimarães Rosa talvez nos ajude a compreender esse comportamento, no mínimo imprudente, principalmente quando o lemos sob a perspectiva da história.

Tucídides, considerado um dos pais da ciência histórica por sua imparcialidade, narra em seu livro, História da Guerra do Peloponeso, pormenores da peste que atacou Atenas em 430 aC.

 Além de descrever os sintomas e a alta mortalidade da peste, Tucídides relata o comportamento das pessoas que tornaram-se “menos inibidas na indulgência de prazeres” e, como resultado, haviam decidido “buscar satisfação rápida e prazerosa, reconhecendo que nem a vida nem a saúde iriam durar muito”. A nova honra e o novo valor para os atenienses passaram a ser o prazer imediato. Não os inibiam o medo dos deuses, muito menos as leis humanas. É como se já se sentissem condenados à uma sentença de morte, de modo que o melhor seria “buscar alguma diversão na vida, antes da queda”.

Creio que um sentimento desses deve passar na cabeça de cada um daqueles que pagam ingressos para participar dessas festas.

Em defesa dos atenienses, pelo menos podemos dizer que eles estavam em meio a uma guerra quando foram assolados por um mal inédito, de causa desconhecida, que não selecionava vítimas e contra o qual não havia tratamento.

Não sabemos tudo sobre a Covid-19, mas temos um corpo de informações suficientes para nortear nosso comportamento, essencial para nos livrarmos da pandemia. Entretanto, a pletora de desinformação entorpece a razão e alimenta a angústia.

Nem mesmo a fé é capaz de aplacar o sofrimento. Também pudera, a religiões andam apartadas de sua missão original. Vivem hoje no discurso de políticos vulgares e disputa cargos no governo e bancadas no parlamento.

A pandemia desvelou um mundo de gente carente de fé genuína e de confiança no conhecimento. São pessoas desnorteadas que, ignorando o caminho da igreja ou da academia, foram   dançar no baile da insensatez.

 

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Adeus Menino

 

A morte de meu tio, o professor doutor Pedro Raso, mobilizou em mim uma mistura de tempos: o tempo de sentir e o tempo de refletir.

Por que afinal demorei mais tempo do que de costume para aceitar a morte dele? Seria natural que não fosse assim. Afinal, estava mais que anunciada a morte de um velho homem que carregava uma mente brilhante em corpo pouco sadio.

Havia muito a celebrar sobre sua vida profissional. Dr. Pedro Raso era catedrático de anatomia patológica, discípulo de Luigi Bogliolo. Foi um professor e pesquisador dedicado, querido por seus alunos. Tal era sua inquietude intelectual que, aos 90 anos, driblando as mazelas de uma degeneração da retina, se debruçou sobre publicações a respeito das manifestações patológicas da Covid-19. Falava com entusiasmo sobre os achados de necropsias realizadas em Milão, que alertavam sobre as alterações vasculares causadas pela infecção. Um mês antes de morrer, participou de uma live organizada pelo Departamento de Anatomia Patológica da USP, onde discorreu sobre sua grande paixão: as manifestações hepáticas da esquistossomose. Também participava ativamente das reuniões semanais, por zoom, da Academia Mineira de Medicina, instituição que ele tanto admirava.

Em torno do tio Pedrinho, como o chamávamos, gravitava uma família amorosa e dedicada. Suas idas e vindas ao hospital serviram de lição para seus netos médicos, Leo e João Pedro. Eles cuidaram do avô com misto adequado de carinho e profissionalismo. Receberam dele uma última lição memorável: como aceitar a morte com serenidade.

Tio Pedrinho fazia hemodiálise três vezes por semana, tratava um diabetes de difícil controle e convivia com doença pulmonar crônica. Ao se infectar pela Covid-19, manifestou seu desejo de não ser intubado, caso fosse necessário. Infelizmente, seria necessário. Ao invés de ser transferido para o CTI, tio Pedrinho pediu a visita de um padre. Católico, queria uma última oração. Não seria fácil conseguir um Padre que fosse ao hospital, justamente na ala isolada para pacientes com Covid. Por fim, a boa alma de um diácono, Dr. Cid Sérgio Ferreira, fez toda a diferença. Esteve ao lado do tio Pedrinho e compartilhou com ele seus últimos momentos de fé. Já prestes a ser sedado, sob uma máscara de oxigênio, tio Pedrinho pediu ao seu filho Eduardo uma caneta e escreveu: “estou em paz”.

E de fato, esteve em paz nos dois últimos dias de sua vida. Morreu tranquilo, sem sofrimento aparente, próximo à data em que completaria 91 anos de vida.

Distanciado um pouco no tempo, eu diria que foi uma morte bonita. Tio Pedrinho teve sabedoria para preparar todos nós, que o amávamos tanto, para esta inevitável despedida.

Então, por que minha dificuldade para aceitar sua morte?

Em seu livro de memórias, O menino que jantava manga, tio Pedrinho narrou o crescimento da criança esperta, que driblava a fome vespertina no quintal de sua casa, ao pé da mangueira. Sem ressentimentos e com orgulho, descreveu sua passagem de uma vida de restrições na infância para uma carreira de sucesso como professor na Medicina.

Para mim, tio Pedrinho nunca deixou de ser aquele menino que jantava manga. Seus olhos brilhavam diante das dificuldades, que eram transformadas em desafios. Era sério e brincalhão e sempre teve um amor contagiante pela vida.

Guardo com carinho e gratidão as lições exemplares que me passou como tio querido, professor na faculdade e padrinho na Academia Mineira de Medicina. Tio Pedrinho cresceu na profissão e na vida chegando à velhice sem nunca deixar de ser criança.

Entendo agora porque foi tão difícil para mim dar adeus a esse espírito de menino.

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