...todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as
pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se
desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a
salvação-da-alma... Muita religião, seu Moço!
Guimarães Rosa
Entre tantos descalabros
nesta pandemia um dos que mais me impressiona é a realização de festas
clandestinas, organizadas e frequentadas por jovens. Sem máscaras, aglomerados,
saboreiam seus drinks enquanto o jogo de luz se encarrega de cegá-los para os
números crescentes de vítimas da Covid.
O som alto os ensurdece aos apelos da maior parte da sociedade que segue
as recomendações das autoridades na esperança de não se contaminar.
O que celebram não sei, mas
fica claro que perderam a confiança nos discursos das autoridades médicas,
contaminados por interferências políticas.
Vivemos o tempo do achismo e, ao contrário do que disse Le
Breton, a palavra do especialista já não é mais evangelho para o leigo, que a
desdenha com festas.
O baile sem máscaras parece
uma dança de insanos em torno da fogueira da morte.
A epígrafe de Guimarães Rosa
talvez nos ajude a compreender esse comportamento, no mínimo imprudente,
principalmente quando o lemos sob a perspectiva da história.
Tucídides, considerado um
dos pais da ciência histórica por sua imparcialidade, narra em seu livro, História da Guerra do Peloponeso,
pormenores da peste que atacou Atenas em 430 aC.
Além de descrever os sintomas e a alta
mortalidade da peste, Tucídides relata o comportamento das pessoas que
tornaram-se “menos inibidas na indulgência de prazeres” e, como resultado,
haviam decidido “buscar satisfação rápida e prazerosa, reconhecendo que nem a
vida nem a saúde iriam durar muito”. A nova honra e o novo valor para os
atenienses passaram a ser o prazer imediato. Não os inibiam o medo dos deuses,
muito menos as leis humanas. É como se já se sentissem condenados à uma
sentença de morte, de modo que o melhor seria “buscar alguma diversão na vida,
antes da queda”.
Creio que um sentimento
desses deve passar na cabeça de cada um daqueles que pagam ingressos para
participar dessas festas.
Em defesa dos atenienses, pelo
menos podemos dizer que eles estavam em meio a uma guerra quando foram
assolados por um mal inédito, de causa desconhecida, que não selecionava
vítimas e contra o qual não havia tratamento.
Não sabemos tudo sobre a
Covid-19, mas temos um corpo de informações suficientes para nortear nosso
comportamento, essencial para nos livrarmos da pandemia. Entretanto, a pletora
de desinformação entorpece a razão e alimenta a angústia.
Nem mesmo a fé é capaz de
aplacar o sofrimento. Também pudera, a religiões andam apartadas de sua missão
original. Vivem hoje no discurso de políticos vulgares e disputa cargos no governo
e bancadas no parlamento.
A pandemia desvelou um mundo
de gente carente de fé genuína e de confiança no conhecimento. São pessoas
desnorteadas que, ignorando o caminho da igreja ou da academia, foram dançar
no baile da insensatez.