A sistematização do ensino na Residência/especialização em neurocirurgia
ao longo dos cinco anos do programa não passa de um primeiro passo.
Como ensinar uma especialidade de grande demanda técnica e
teórica?
Abrir uma cabeça ou uma coluna não é tarefa fácil; lidar com a patologia
é um desafio ainda maior. a reconstrução é sempre desafiadora e o pós
operatório exige cuidados intensivos especializados.
O residente tem que compreender e dominar cada uma dessas etapas do
procedimento neurocirúrgico. Negligenciar pormenores da técnica pode ser o
divisor entre bom e o mau resultado de um procedimento neurocirúrgico.
No passado, a gravidade das doenças neurocirúrgicas e a limitação dos
métodos de imagem agiam com um véu, encobrindo imperícias. Hoje, conhecemos
mais sobre a história natural das patologias neurocirúrgicas e podemos
documentar melhor os procedimentos.
Nem sempre é fácil distinguir uma complicação inevitável de uma
imperícia que resulta em evento adverso para o paciente.
Não resta dúvida que o mote aristotélico, citado na epígrafe dessa série
de artigos sobre o ensino da neurocirurgia, é a única saída. Não há outro modo
de aprender a especialidade senão praticando-a ao lado de um profissional já
previamente treinado.
A Sociedade Brasileira de Neurocirurgia exige que num programa
credenciado tenha no mínimo cinco especialistas titulados. Espera-se que esses
especialistas estejam lado a lado com os residentes, ensinando a especialidade
com os rigores de seus detalhes. Sobretudo, espera-se que ele
consiga ensinar com evitar seus próprios erros, pois aprendemos mais com eles
do que com os acertos. Mas aprender com os erros dos outros é ainda melhor na
construção do conhecimento, que assim vai passando de uma mão à outra: do
titulado para o R5, deste para o R4 e assim por diante.
Mas se para aprender tenho que fazer, como fica o paciente nessa
história?
Lembro-me bem de um caso que era contado sempre à boca pequena, a
respeito de um professor muito conceituado. Ele foi prestar concurso para ser
admitido como neurocirurgião em uma Instituição, que exigia que ele
fizesse um procedimento neurocirúrgico. Deveria demonstrar para uma banca
seus conhecimentos e sua técnica. Era um procedimento considerado simples, uma
hérnia de disco lombar. Houve uma complicação grave, uma lesão vascular que
levou o paciente ao óbito. Felizmente, esse tipo de concurso não é mais
realizado. E o caso em questão, deixou de ser um segredo quando o próprio
cirurgião contou sua experiência em um congresso da especialidade, dando aula
para seus pares.
A realização de procedimentos mais simples pode ser aprendida e ensinada
de mão em mão. Á medida que o residente vai dominado as praxias, ele adquire
a competência necessária. O aprendizado de procedimentos mais complexos exige
uma abordagem diferente.
O treinamento em cadáveres em laboratório especializado é a forma mais
adequada.
Trabalhamos em um desses laboratórios, na Universidade George
Washington, onde dispunha de todo o arsenal neurocirúrgico e cabeças
especialmente preparadas para similar os procedimentos complexos. Os residentes
tinham oportunidade de verem replicados no laboratório o passo a passo dos
procedimentos realizados no bloco.
No próximo artigo, vamos falar mais sobre esse modelo de ensino, que
consideramos ideal para o aprendizado de técnicas cirúrgicas
complexas, como é o caso da maioria dos procedimentos neurocirúrgicos.