A palavra Neotenia vem do grego neo (novo,
novidade) e teinein, que significa estender, prolongar. O termo vem da
biologia e se refere a organismos adultos que mantém traços infantis. O exemplo
clássico de neotenia é o Axolotle, a
salamandra mexicana, que mantem na idade adulta características larvais, como as
brânquias externas, que lhe conferem um aspecto juvenil.
Na
antropologia, o estudo da evolução da espécie humana considera que a neotenia
exerce um papel central, tanto do ponto de vista biológico como
comportamental. Comparado a outros
primatas, o homo sapiens adulto têm características físicas consideradas
juvenis, como o crânio arredondado, a pequena mandíbula, a ausência de pelos e
a postura ereta. Nosso cérebro tem desenvolvimento muito lento, mas com altíssima
plasticidade neuronal, que nos permite melhor adaptação ao ambiente e a
manutenção da capacidade de aprendizado por toda vida. Nossa constante
curiosidade, essencial para inovação e para o pensamento científico e criativo
é considerada uma característica neotênica.
Do ponto de
vista de comportamento, por questões de sobrevivência desenvolvemos fortes
vínculos familiares e sociais com extraordinária capacidade de afeto, empatia e
cooperação. A neotenia permite nossa inserção e adaptação a redes de socialização
complexas, criando e adotando regras e valores, que passam de geração a geração.
E o que a
neotenia tem a ver com o a medicina e seu ensino. Por ser a mais humana das
profissões, penso que o aprimoramento de nossas melhores características neotênicas
deve ser a base da formação do médico. São exemplos de habilidades neotênicas
que temos que aprimorar e ensinar: o comprometimento com o aprendizado por toda
vida, o fortalecimento de laços sociais e cooperativos e o trabalho em equipe.
Empatia, resiliência, plasticidade, flexibilidade e curiosidade, todas
características neotênicas de todo bom médico e demais profissionais da saúde.
E o que a
neotenia tem a ver com inteligência artificial? Nossa inteligência genuína não
é dada, mas construída, exigindo de nós grande empenho e esforço por toda uma
vida. A neotenia nos ajuda a plasmar um cérebro inteligente, adaptável e
criativo, capaz de aprender, mudar e se adaptar a partir das experiências.
É a neotenia
que nos capacita para encarar a inteligência artificial (IA) não como uma
oposição à nossa inteligência, mas como uma oportunidade para ampliá-la. O uso
da IA como ferramenta de ensino e aprendizagem, bem como na prática médica cotidiana,
no atendimento em consultórios, ambulatórios e mesmo à beira do leito já é uma
realidade sem retorno.
O desafio será
como usar essas engenhocas eletrônicas e ao mesmo tempo aprimorar nossas
características neotênicas. Ou seja, como nos tornar cada vez mais humanos para
cuidar do ser humano.
Assim podemos
resumir o caminho do sucesso acadêmico: se inspirar no modelo, mas fazer o
próprio caminho, tendo como base o autoconhecimento; praticar a medicina como phronesis,
para além da arte e ciência, procurando ser soft com nossas skills
e aprimorar nossas melhores qualidades neotênicas.