Atuação

• Coordenador do Serviço de Neurocirurgia e Neurologia do Hospital Unimed BH • Neurocirurgião do Biocor Instituto, Belo Horizonte, MG Membro Titular da Academia Mineira de Medicina • Membro Titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia • Membro do Congresso of Neurological Surgeons • Mestrado e Doutorado em Cirurgia pela UFMG

Especialidades

• Malformação • Artério Venosa • Aneurisma Cerebral • Cirurgia de Bypass • Revascularização Cerebral • Cirurgia de Carótida • Tumores Cerebrais • Descompressão Neurovascular • Doença de Moya-Moya Tumores da Base do Crânio Doppler Transcraniano

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O Dilema da Cloroquina

 

Voltaire (1694-1778), filósofo iluminista francês, escreveu sobre os médicos de seu tempo:

Médicos colocam remédios sobre os quais pouco sabem,

em nossos corpos sobre os quais sabem menos ainda,

para curar doenças sobre as quais nada sabem.

 

O debate em torno da cloroquina e outros medicamentos para combate à infecção pelo coronavírus parece tornar essa frase cáustica de Voltaire bem atual.

Por um lado, gestores da saúde, movidos por razões políticas, tentaram substituir a caneta do médico por um decreto, recomendando formalmente a prescrição da cloroquina para pacientes com suspeita de Covid. Por outro, as sociedades médicas demonstraram tibieza ao enfrentar interferência de terceiros, ainda que seja o governo, na relação médico- paciente. Some-se a isso o fato de que muitos médicos, por ignorância ou temor, engrossaram a fila daqueles que perderam a confiança na capacidade da ciência de nos tirar desse imbróglio.

Para além da politização do assunto, se nos atermos aos fatos comprovados, o dilema da cloroquina desaparece.

Na medicina contemporânea, a frase de Voltaire tem de ser atualizada. Afinal, sabe-se muito sobre medicamentos, sobre nosso corpo e sobre a história natural da maioria das doenças. E sobre a doença chamada Covid-19, nunca na história da medicina foram produzidos tantos conhecimentos em tão pouco espaço de tempo.

Em menos de seis meses de aparecimento dessa infecção, sabemos que   80% dos pacientes vão evoluir para a cura, com, sem ou apesar dos médicos. De cada 100 pacientes, 20 deles vão precisar de tratamento hospitalar. Cinco devem necessitar de tempo prolongado de tratamento intensivo. Sabemos também que a mortalidade da Covid-19 gira ao redor de 1%. Essa é a história natural dessa doença pandêmica.

A cloroquina entrou nesta história pois, em estudos de bancada, chamados in vitro, foi eficaz para deter a replicação do vírus. Entretanto, diversos estudos clínicos não foram capazes de mostrar qualquer benefício da medicação, mesmo quando associada a outros medicamentos. Em outras palavras, a cloroquina não alterou em nada a história natural da Covid-19. 

Entre os estudos bem desenhados para avaliar a eficácia da cloroquina, destaco um trabalho brasileiro publicado no prestigiado periódico americano New England Jorunal of Medicine. Assinado pelo médico Alexandre Cavalcanti e outros 34 pesquisadores, o trabalho analisa os dados de um consórcio de 55 hospitais brasileiros dentre eles o Albert Einstein, Sírio Libanês e Beneficência Portuguesa de São Paulo e o Hospital Moinhos de Ventos de Porto Alegre. Não houve benefício para os pacientes que usaram hidroxicloroquina ou hidroxicloroquina associada à azitromicina, se comparados com o grupo que recebeu apenas tratamento de suporte.

A discussão em torno da prescrição de cloroquina ganhou proporções desnecessárias. Mas nada se iguala à pletora de postagens, sugerindo os mais diversos tratamentos para a doença, todos inócuos: óleo de gergelim, chá quente, vitamina C, vitamina D, água quente com limão, água morna com sal e vinagre, chá de erva-doce, alho cru, alvejante à base de cloro, chá de boldo, gengibre (natural ou cozido), chá de jambu, poli vitamínicos e até álcool puro. Este último matou 44 pessoas no Irã.

Em março, durante o carnaval no Brasil, quando os primeiros casos começaram a aparecer, sugeriu-se, para a prevenção contra o coronavírus, o famoso cheirinho da Loló, mistura de éter com clorofórmio. Na mesma linha, tentaram fantasiar a cocaína como remédio de combate ao corona. 

Bizarrices também fizeram parte do arsenal contra o vírus:  no Vietnã, gatos pretos eram sacrificados para fazer um suco com o sangue; na Índia, urina de vaca e no Brasil, o pastor Valdemiro Santiago vendia sementes de feijão branco por até mil Reais, para semear a cura do coronavírus. Agora, a proposta é injeção de ozônio por via retal durante dez dias.

Tanta parafernália inútil reflete o desespero em busca de soluções milagrosas e o desapreço pela medicina. Afinal, convenhamos, ninguém chega a um hospital com um problema de saúde para dizer aos médicos qual o tratamento que deve ser instituído.

Nesses tempos bicudos, o discurso recorrente de descaso e desrespeito às Instituições, acaba por incluir a ciência médica.

A despeito de tudo isso, médicos e demais profissionais de saúde continuam arriscando suas vidas para salvar a dos outros.



revisão:
Rachel Kopit 
Ophicina de Arte & Prosa

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